Dito de outra forma, um disco igual a tantos outros que inundam o mercado sem oferecerem algo de inusitado, algo tão necessário nos tempos...

Editora: Century Media Records
Data de lançamento: 08.11.2019
Género: technical/brutal death metal
Nota: 3.5/5

Dois anos passados sobre “Adveniens”, o disco que os catapultou para um contrato com a Century Media, os italianos Hideous Divinity dão continuidade ao massacre sonoro com “Simulacrum”, um passo em frente numa carreira já há muito consolidada.

A principal diferença entre os dois registos assenta na produção, visto que a ligeira mudança de formação (entrou para a guitarra Riccardo Benedini, saindo Giovanni Tomassucci) não alterou significativamente o estandarte da banda – o death metal ultra-agressivo e técnico. Mas a complexidade e a melodia superlativas que encontramos nestes reformados Hideous Divinity distancia-os em muito do registo anterior. Ainda que “Simulacrum” seja baseado uma vez mais num filme (desta feita, o seminal “Lost Highway” de David Lynch), as similaridades com nomes dentro do espectro como Benighted, Hour of Penance ou Aborted são por demais audíveis, principalmente no campo das guitarras e da bateria. No entanto, os Hideous Divinity conseguem o seu espaço e sonoridade pessoais devido a uma maneira muito própria de fazer as coisas.

A banda originária da vecchia signora prima por quebrar barreiras, sejam elas a da velocidade, da brutalidade, da inovação (mesmo que com base nos pioneiros da cena) ou da criatividade. O som clássico dos Hideous Divinity mantém-se, mas cimentado em 2019 – está mais groovy sem com isso perder ponta do descompromisso a que já nos habituaram. Tudo isto é comprovável mal inicia “Deleuzean Centuries”, cuja introdução mais parece saída de uma qualquer banda de groove metal. Claro que nos referimos apenas aos momentos iniciais, visto que quando a música começa se eclipsam todas as dúvidas sobre o tratado. Assim como dito anteriormente, o trabalho de produção (uma vez mais a cargo de Stefano Morabito) está evidentemente melhor do que no registo anterior, certamente devido ao amadurecimento da banda: bateria mais audível, cada instrumento no seu devido lugar, o que culmina num trabalho perfeito.

O disco não apresenta sinais de abrandamento – a seguinte “”The Embalmer” é um projéctil trespassante mesmo para os Hideous Divinity. O riff da guitarra principal em nada abafa a guitarra que se ouve de fundo, como que se divagasse por entre um estranho panorama sónico. De forma surrealista, tudo nos remete para Lynch: desde este pormenor técnico às letras orgânicas, mas frias (“As soft tissue is carved out, so thin yet so true, Breath the scent of the balms, A prayer to the sprout of what’s so to come”), “The Embalmer” assemelha-se visualmente a um pesadelo dentro de um pesadelo, se tal conceito for possível – chega mesmo a dar a ideia de um parto realizado numa morgue, de um paradoxo que se transforma em paradigma, de uma contradição que faz sentido, bem ao estilo de Lynch. Também isto é sinal de amadurecimento, já que não é qualquer banda que consegue sintetizar em música ou conceito o trabalho único do realizador norte-americano.

Ao longo do trabalho, escutamos consistentemente as achegas dos Aborted e dos Benighted, ambas tão bem presentes em “Anamorphia Atto III”, outro tema que não prima exactamente pela subtileza e candura musical. Ainda assim, é possível encontrar pormenores de beleza estética entre a carnificina auditiva a que somos sujeitos, tal como o brilhante solo de guitarra que inicia aos 1m58s: melódico, caótico, a fazer lembrar James Murphy ou Chuck Schuldiner. Do princípio ao fim de “Simulacrum”, é impossível de não reparar no trabalho do baterista Giulio Galati, perfeitamente talhado para a difícil tarefa – não só serve de metrónomo humano, como ainda providencia a agressividade necessária a este novo registo. Em termos gerais, “Simulacrum” é um disco acima de bom, cuidado, à prova de bala, mas… também um pouco mais do mesmo. Porque é contraditório com tudo o que foi dito acima, talvez seja melhor desenvolver. “Simulacrum” tem todos os ingredientes necessários para estar na primeira liga do death metal moderno, mas falta-lhe pelo menos um tema que marque pela diferença, algo que nos faça virar a cabeça de estupefacção e, infelizmente, esse tema não existe neste registo, que se salda por algo demasiado mecânico, ainda que perfeito. Há quem lhe chame alma, que é o que escasseia neste disco. Há partes marcantes (os solos, inegavelmente), mas ao fim da terceira audição mantém-se a sensação de dejá vu, de algo que já escutámos incontáveis vezes, de um trabalho intocável, mas que também não é um primus inter pares. Lamentavelmente, somos forçados a regressar ao paradoxo que se transforma em paradigma. É um disco muito bom, mas cuja fórmula não varia. Dito de outra forma, um disco igual a tantos outros que inundam o mercado sem oferecerem algo de inusitado, algo tão necessário nos tempos que correm.

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