Benediction: recruzando o Rubicão
Entrevistas 19 de Outubro, 2020 João Correia
«Há por aí muitas bandas que se intitulam de death metal, mas que não são. Bandas que competem para verem qual é a mais rápida, que usam o pedal duplo centenas de vezes por minuto e que tentam ser mais rápidas do que a próxima. Isso não é death metal. O death metal necessita de ter um pouco de groove, de ritmo.»
Darren Brookes
Cruzar o Rubicão é uma metáfora que significa que, tomada uma determinada decisão ou acção, já não há volta a dar, já não se pode voltar atrás. Com “Scriptures”, os Benediction reafirmam essa intenção de não se desviarem do death metal puro, de não darem passos atrás ou mesmo passadas laterais ao som de modas. Existe um número muito limitado de bandas que se pode dar a certos luxos e prolongar a sua longevidade, como fazer exigências junto da sua editora e passar mais de 30 anos sem inovar o seu estilo musical e sem perder um único fã. Senhoras e senhores, bem-vindos à história dos Benediction.
Após a saída de Dave Hunt em 2019, os britânicos não tiveram qualquer dúvida de quem convidar para preencher o seu lugar, contactando para isso Dave Ingram, vocalista da fase mais importante do grupo e que marcou o underground mundial com a sua presença em “The Grand Leveller” e “Transcend The Rubicon”, dois clássicos maiores de sempre do death metal. Se a equipa vence, mexer nela para quê? Darren Brookes, o lendário guitarrista do quinteto de Birmingham, conta como correu o contacto com Dave nesse sentido. «O convite foi fruto de várias coisas. Já não gravávamos há mais de 10 anos e decidimos lançar um disco novo. Como o Dave [Hunt] não sabia se tinha tempo suficiente para dedicar ao seu doutoramento, aos Benediction e aos Anaal Nathrakh, deu-nos um pré-aviso de seis meses. Como ainda tínhamos concertos marcados em Agosto, surgiu a ideia de convidar o Dave [Ingram] passados 20 anos, para saber se ele estaria interessado em tocar connosco neles, até porque ele nunca sedespediu como devia ser dos fãs de Benediction. Então, liguei-lhe, e a reacção dele foi [com voz medrosa] ‘sim?’, acho que ele estava com receio de que se tratasse de algum problema com contratos antigos. [risos] Disse-lhe que tinha uma proposta para ele, que o Dave [Hunt] estava de saída e se ele estaria interessado nuns concertos de Verão, ao que ele respondeu imediatamente que sim. A minha reacção foi: ‘Bom, OK…’ Dez minutos passados, disse-lhe que lhe enviaria umas demos para saber se ele estaria interessado em criar letras, resposta pronta dele: ‘Sim!’ [risos] A conversa foi toda assim. Perguntei-lhe se, caso as demos resultassem e os concertos também, o que lhe pareceria gravar o novo disco. ‘Sim.’ Mesmo depois de o gravarmos, o Dave [Ingram] está muito entusiasmado com tudo isto e entusiasma-nos também, apoiamo-nos todos. Talvez tivesse sido a altura certa para o contactar. Foi como se ele tivesse feito uma pausa de 21 anos. A “Iterations Of I” é uma continuação da última faixa do “Grindbastard”, por exemplo, logo faz ligação do seu último trabalho com o mais recente – foi uma jogada dele muito inteligente.»
Para uma banda de culto, 12 anos sem gravar não é tão grave como para uma banda mais pequena, mas também pode ter o seu peso. Tendo em conta que “Killing Music”, agora o penúltimo disco da banda, foi bem recebido um pouco por todo o mundo, os fãs sempre questionaram o porquê de um hiato tão grande, culpando os concertos ao vivo pelo atraso. Mesmo assim, regressar em grande no meio de uma calamidade sanitária global como a que vivemos parece ser contrapdutivo. «Temos tocado todos os santos fins-de-semana em todo o mundo nos últimos 10 anos. ‘Podem tocar um set do “Transcend The Rubicon?’, perguntaram todos os organizadores. Acho que ficámos um pouco langões. Repara, tenho 52 anos, uma casa, uma carreira de sucesso e, por mais que amemos os Benediction, isso não nos paga as contas. Logo, tivemos de nos concetrar mais nas nossas carreiras fora dos Benediction. Mas temos tocado muito, o que nos afasta da família e toma-nos tempo. Depois, o Peter [Rew, guitarra] já nem vive em Birmingham, mudou-se. Tínhamos algum material escrito mas, depois, o Dave disse que não tinha tempo para lhe dedicar, foi mais um atraso. Também tivemos problemas com os bateristas. Quando o Neil Hutton saiu, tivemos alguma dificuldade em substituí-lo, e nota que tivemos gente muito à altura do lugar dele, caso do Nicholas Barker [ex-Cradle of Filth, ex-Dimmu Borgir], que é uma besta total. Mas nunca resultou: ou estavam muito ocupados ou não se identificavam com o groove dos Benediction. Foi parte preguiça, parte dinheiro e parte integrantes.»
Inicialmente, “Scriptures” parece composto por um punhado de temas aleatórios, mas, observando os títulos, quase parece ser um disco conceptual sobre religião. Assim como em tudo, o que parece raramente é. «Realmente não é conceptual. Mesmo tendo em conta que o Dave é sacerdote na Church of Satan e essas tretas, não somos uma banda política ou religiosa. Não há um conceito espiritual no disco. Por exemplo, “Scriptures Inscribed” fala sobre mortos-vivos. “The Crooked Man” fala sobre a batalha do Dave com os seus problemas mentais e físicos devido à Doença de Hutchinson – logo, ele é o crooked man, o homem doente. A “Stormcrow” é sobre os corvos, sobre serem aves de mau agoiro, de trazerem desgraça e más notícias. Já a “Progenitors of A New Paradigm” é sobre os Benediction, sobre regressarmos e trazermos de volta o death metal na sua forma pura. Há por aí muitas bandas que se intitulam de death metal, mas que não são. Bandas que competem para verem qual é a mais rápida, que usam o pedal duplo centenas de vezes por minuto e que tentam ser mais rápidas do que a próxima. Isso não é death metal. O death metal necessita de ter um pouco de groove, de ritmo. Esta música vê os Benediction a trazerem o bom death metal de volta, os velhos Massacre, os velhos Autopsy, os velhos Dismember, os velhos Master – ISSO é death metal!»
Um disco de death metal old-school tem uma produção tanto ou mais cuidada do que um disco actual, principalmente quando se tenta imitar o som do princípio dos anos 1990. No caso dos Benediction, não é preciso imitar o som que eles ajudaram a criar, mas é necessário um produtor à altura para que saia perfeito. A escolha de Scott Atkins não foi abaixo de perfeita. «Concordo, é a nossa melhor produção de sempre, sim – nem demasiado limpinha, nem completamente suja. Queríamos uma qualidade rica de som, como disse antes, o ritmo e os detalhes são importantes em detrimento da velocidade terminal, um som nítido, mas também com aquela aura de porcaria do princípio ao fim. O Scott sabe o que faz. Estava eu a gravar e ele disse-me: ‘Olha, usa uma palheta diferente.’ E eu, do tipo: ‘Como assim, usar outra palheta?!’ Acontece que isso alterou o som para melhor em algumas partes, aprendi com ele. Ele puxou por nós ao máximo até estar perfeito. Então, com o Dave foi de loucos. Se alguma palavra ou parte estivesse desafinada ou contivesse pouco poder, ele fazia-o repetir. Fê-lo gravar linha a linha, algo que nunca tínhamos feito – outra vez, outra vez. Para que tenhas ideia, quando fomos para o Copenhell, o Dave tinha a voz toda rebentada, tivemos de regressar. Ele fez um trabalho absolutamente genial.»
No meio da pandemia, temos reparado que muitas bandas encontram tempo para lançar discos, o que faz sentido por estarem paradas. É bom podermos achar algum consolo no meio de uma situação desesperante como a que vivemos. «Não acho que tivéssemos feito maus negócios. Nunca fizemos dinheiro com os discos, mas fazemos com o merchandise e com os concertos. O dinheiro que vem da Nuclear Blast é marginal. Nunca o fizemos pelo dinheiro, nunca fomos uma máquina de gerar dinheiro porque nunca o fizemos pelo dinheiro, mas pelo amor à causa. Nunca quisemos ser famosos, apenas amamos o estilo. A cena morreu praticamente no final dos anos 1990 e princípio dos 2000 à excepção dos Benediction e poucas bandas mais, pois toda a gente arranjou um trabalho a tempo inteiro. Nós permanecemos porque não o fazemos por dinheiro, estrelato ou fama, mas por amarmos o death metal. Com a minha idade, sinto o mesmo entusiasmo de há 30 anos. Não o faço com tanto afinco como dantes, agora temos famílias e trabalhos, mas fazêmo-lo e adoramos fazê-lo. É muito provável que eu morra em palco, pá. [risos]»
Os Benediction já têm planos para 2021, com uma mini-digressão preparada para a Suécia com o apoio dos Baest. Também havia notícias para Portugal em 2020, mas entretanto foi tudo cancelado. «Tínhamos dois concertos marcados para Portugal, mas já deves saber o resultado. Assim que possível regressaremos, quase de certeza com os mesmos promotores, mas não podemos afirmar nada com certeza. Embora a Suécia tenha mantido um pouco as coisas como dantes, sabemos lá como será amanhã. Estamos muito orgulhosos deste novo disco e queremos tocá-lo ao vivo o quanto antes, mas não podemos avançar nada de momento. Assim que possível, visitamo-vos, certamente.»

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