Os Miss Lava fizeram um dos trabalhos mais homogéneos, brilhantes e tridimensionais do rock/metal dos últimos tempos. Miss Lava “Doom Machine”

Editora: Small Stone Recordings / Kozmik Artifactz
Data de lançamento: 15.01.2021
Género: stoner/doom metal
Nota: 4.5/5

Os Miss Lava fizeram um dos trabalhos mais homogéneos, brilhantes e tridimensionais do rock/metal dos últimos tempos.

Há muito tempo que sinalizar uma banda com o selo ‘de qualidade’ deixou de lhe garantir um futuro risonho, ou sequer duradouro. É, por isso, notável que os Miss Lava estejam a celebrar 13 anos de edição do seu primeiro registo, tenham sido media-darlings em Portugal quando lançaram o álbum de estreia, tenham tocado em salas míticas nos Estados Unidos e em festivais de referência, como o Rock in Rio e Super Bock Super Rock, e ainda estejam aqui apesar de nunca terem atingido o breakthrough. Por breakthrough, perceba-se aquele sucesso comercial que faça os elementos de uma banda ponderarem abandonar os seus empregos e viver apenas da música. Algo perfeitamente legítimo para um projecto com a qualidade dos Miss Lava, mas virtualmente impossível num mercado como o português e com um estilo musical que cruza o stoner e o rock psicadélico. Ainda assim, a banda lisboeta atravessou todas as ilusões, desilusões, crises pessoais de quem chega à meia-idade, cansaço de digressões ‘para aquecer’ e até, mais recentemente, tragédias familiares. E ainda aqui está. E com o seu melhor disco de sempre.

Como é que os Miss Lava chegam aos 30 e muitos ou 40 e poucos anos, com três álbuns e dois EPs já esmifrados à inspiração e ao couro e sacam um disco como “Doom Machine”, é um daqueles mistérios que provavelmente não se explica com apenas um factor, mas pode ser resumido de forma muito sucinta com a expressão “timing certo”. Porque a dúzia de temas do novo disco do quarteto é, mais do que uma colecção de bons temas de stoner/doom rock psicadélico, uma viagem. E a melhor maneira de chegar ao potencial que “Doom Machine” consegue evocar é ir-se directamente para a faixa “The Fall”, seguida do interlúdio instrumental “Alpha”. Os riffs, as melodias e o punch rítmico são moldados de modo a fazer uma massa psicadélica que envolve o ouvinte e o transporta para outra dimensão. A estrutura quase disforme ajuda e, quando reparamos, estamos num gigantesco túnel sónico que nos impele a avançar, mesmo não sabendo onde vai dar. Esta lógica temperamental (traduzimos ‘moody’ o melhor que pudemos para se evitarem inglesismos) acompanha todo o disco, que, com músicas mais ou menos orelhudas (“Sleepy Warm” à cabeça), consegue manter o ambiente de viagem sónica sem nunca se partir muito com faixas que quebrem a homogeneidade. Apenas nos três temas-bónus (disponíveis nas versões em CD e digital), os Miss Lava carregam um pouco no pedal da música-canção e, ironicamente, terminam o álbum com uma faixa que podia abrir qualquer outro disco da banda: “Red Atlantis”.

Não vamos alongar-nos sobre a inspiração, a luz e trevas que rodearam a escrita do disco e a abordagem lírica de “Doom Machine”. Até porque todos os registos de Miss Lava são bem construídos na dicotomia letras/música – é preciso ter algo para descobrir quando se compra o disco, e porque vem aí entrevista com o colectivo em que esse tema é abordado. Nem vamos demorar-nos na qualidade sonora de uma gravação feita ao vivo em estúdio, em que o produtor Vegeta foi chamado para dar um extra de corpo orgânico e som de palco ao disco. Digamos apenas que, não havendo hits em “Doom Machine”, a ausência de fillers ou minutos mortos revela que, consciente ou inconscientemente, os Miss Lava fizeram um dos trabalhos mais homogéneos, brilhantes e tridimensionais do rock/metal dos últimos tempos.