Enquanto a primeira metade da década de 1990 representava uma revolução no universo metal com os mais significativos álbuns de death metal (Death, Morbid...
Megadeth em 1999.

Enquanto a primeira metade da década de 1990 representava uma revolução no universo metal com os mais significativos álbuns de death metal (Death, Morbid Angel, At The Gates, Cannibal Corpse, Entombed, Dismember, Benediction) e black metal (Mayhem, Darkthrone, Emperor, Satyricon), a segunda é um poço com um fundo invisível, uma descida abrupta em direcção ao abismo criativo que demorou muito a ser reposto e recompensado.

As razões são várias e é difícil encontrar uma resposta única para tantas perguntas que se podem fazer. A culpa é dos Metallica que abriram caminho para o mainstream? Foi Kurt Cobain e os Nirvana que roubaram os holofotes com um som mais orelhudo, menos complexo e com conceitos mais próximos dos adolescentes? Será que as bandas metal mais populares estavam cansadas das velhas fórmulas e quiseram experimentar coisas novas? Ou será que essas mesmas bandas simplesmente se deixaram enterrar no lodo ao tentarem acompanhar as modas? Será que a MTV e o advento da Internet em todas as casas têm algo a ver com isto? Todas estas perguntas têm respostas válidas que se interligam no que diz respeito aos decadentes derradeiros anos do Séc. XX na cena metal e passado tanto tempo até podemos ser capazes de desculpar tudo (ou quase tudo), mas o que é certo é que essa época deu-nos os piores discos das bandas mais respeitadas.

Os Metallica esqueciam o thrash metal com “Load” (1996) e “ReLoad” (1997) e depositavam-se plenamente no mainstream do rock ao mesmo tempo que, internamente, passavam pelos piores momentos como foi exposto no documentário “Some Kind Of Monster” (2004). Mas calma que não se ficou por aí… No ano de 2003 chegava a atrocidade “St. Anger”, disco conhecido por não ter solos de guitarra e por ter uma tarola que mais parecia um bidão oco e ferrugento. Só se levantariam novamente em 2008 com “Death Magnetic”, e, mesmo assim, a crítica, talvez ainda ressentida com “St. Anger”, não foi amiga do tipo de produção do álbum. Tudo parecia estar nos carris certos, mas, em 2011, os Metallica juntavam-se a Lou Reed e saía “Lulu” – mais um crime musical, poderá muita gente dizer. “I AM THE TABLE!” – e basta.

Os Iron Maiden não passavam lá muito bem com Blaze Bayley na voz (até que Bruce Dickinson regressou em 1999), os Kreator também não obtiveram os melhores resultados com “Outcast” (1997) e “Endorama” (1999), e “Rebel Extravaganza” (1999) dos Satyricon era achincalhado pela crítica como um álbum de techno. Mas o caso mais gritante será Slayer.

Senhores do thrash metal da Bay Area e irredutíveis criadores de música agressiva que nos deram álbuns como “Hell Awaits” (1985) e “Reign in Blood” (1986), os Slayer punham o pé na poça em 1998 com “Diabolus in Musica”, um dos discos mais destruídos pela crítica e pelos fãs. E é neste caso que podemos referir que Slayer foi uma das bandas que se deixou afundar no lodo. Afastando-se do thrash metal veloz e incisivo, este registo de 1998 mostrou-nos uns Slayer a enveredar pelos trilhos do groove metal, como se pode verificar em faixas gingantes como “Love To Hate”. Os tentáculos comerciais do nu-metal abraçavam assim uma das bandas mais poderosas, tanto em termos sonoros como populares. Todavia, os norte-americanos não ficaram naquele lado da barricada em que o artista defende as suas criações com unhas e dentes, até porque Jeff Hanneman (1964-2013), citado num artigo do The Guardian, referiu: «Fazemos o que fazemos no momento. Às vezes os nossos álbuns tornam-se divinos e outras vezes tornam-se foleiros.» Em 2011, no episódio sobre nu-metal da série televisiva “Metal Evolution”, Kerry King também deixava os seus pensamentos sobre “Diabolus in Musica”: «É aquele álbum ao qual não prestei atenção suficiente porque estava mesmo amargurado com o tipo de música que era popular. (…) Portanto, o “Diabolus…” não teve tanta atenção da minha parte porque, sabes, não nos focámos. Olhando para trás, só dizíamos, ‘está bem, como é que inserimos Slayer na sociedade de hoje?’. Mas é provavelmente o meu álbum menos favorito da história. É o nosso “Turbo”», referindo-se ao disco de 1986 dos Judas Priest.

Em 1999, com “Risk” dos Megadeth, perguntava-se ‘porquê?’ e ‘o que aconteceu?’. Depois de uma primeira fase de sensivelmente 10 anos a lançarem álbuns de enorme gabarito, como “Rust in Peace” (1990) ou “Youthanasia” (1994), a banda do Big 4 da Bay Area começou a tremer com “Cryptic Writings” (1997) e mandou o thrash metal às favas com “Risk”. Talvez aqui não se aplique estritamente o facto de os Megadeth se permitirem navegar nas correntes das modas, sendo possível poder-se afirmar uma outra velha máxima, a de que depois de atingido o pináculo venham tempos menos prolíficos. No entanto, a banda de Dave Mustaine divorciara-se do metal e editava assim um álbum de rock, ou, como escreveu Jeff Treppel (Decibel), um «decente álbum de hard rock que nunca devia ter sido lançado sob o nome Megadeth». Em 2013, Mustaine confessou à Noisecreep que «provavelmente a canção mais idiota que os Megadeth fizeram foi “Crush ‘Em”» e, em 2018, declarou à SiriusXM que “Risk” foi a «capitulação aos desejos de Marty [Friedman] para se ser uma banda mais alternativa», resultando num abrandamento. Nessa entrevista, o líder dos Megadeth admite ainda que queria manter os colegas felizes e na banda, porque «toda a gente discutia a toda a hora, e ninguém estava contente». O baterista Nick Menza (1964-2016) abandonaria o grupo em 1998, ainda antes do lançamento do disco, e o guitarrista Marty Friedman depois em 1999. Em 2001 era editado “The World Needs a Hero”, que também não aqueceu nem arrefeceu num modo geral, e no ano seguinte os Megadeth deixavam de existir. Porém, em 2004, Dave Mustaine reactivou a banda (desta vez com Chris Poland na guitarra lead) e saiu “The System Has Failed”, um disco que, por incrível que pareça, é sólido, ainda que num espectro híbrido entre rock e metal, e evidenciou uma energia renovada que relançou os Megadeth daí em diante.

E se é para bater no fundo mais horrível possível, então batamos. O nu-metal estava no auge – até Max Cavalera estava lá metido com Soulfly – e por todo o lado ouviam-se bandas como Slipknot, que lançavam o álbum homónimo em 1999, Limp Bizkit, que chegavam ao segundo disco “Significant Other” também nesse ano, e Korn, que por essa altura libertavam o quarto longa-duração “Issues”. Porém, o mais obsceno acontecia com “The Gift of Game” dos Crazy Town… Se achas que a contenda internauta contra o facto de colectivos como Deafheaven usarem o termo black metal para rotularem a sua sonoridade é gravosa, então imagina (se não o viveste) ouvir/ler os Crazy Town serem apresentados como uma banda metal! “The Gift of Game”, com muito hip-hop (do rap ao DJing) e riffs genéricos pode, para muitos de nós, representar o pior do nu-metal (e de todo o metal mesmo!), mas o que é certo é que isto aconteceu e o single “Butterfly” atingiu o #1 na tabela da Billboard Hot 100 em 2001. April Long, da NME, escreveu que o álbum contém «algumas das letras mais neandertais alguma vez escritas» – e com esta ficamos por aqui, desejando que nunca mais tenhamos de passar por isto…