Dave Mustaine: «Droga? Por que é que eu iria querer glorificar algo assim?»
Entrevistas 24 de Setembro, 2020 Metal Hammer

Dave Mustaine recorda o álbum “Rust in Peace” dos Megadeth – «uma obra-prima criada na escuridão da heroína».

A palavra heroína aparece 62 vezes ao longo de “Rust in Peace: The Inside Story of the Megadeth Masterpiece”, o novo livro de memórias sobre a criação do álbum de 1990, um robusto marco do thrash. Embora a autoria do livro seja creditada ao fundador Dave Mustaine, o seu formato espelha uma estrutura de história oral a várias vozes, como noutras famosas biografias rock, por uma banda que lutou contra o vício – e entre si – no seu caminho até ao topo das tabelas.
Mas enquanto “The Dirt” glamorizou a depravação e os espólios hedonistas do sexo, drogas e rock n’ roll, “Rust in Peace…” pinta um retrato muito mais cruel – e, por sua vez, honesto – do abuso de substâncias. Os leitores descobrem que o verdadeiro motivo para os Megadeth terem cancelado a digressão de 1988 com Iron Maiden foi o baixista David Ellefson ter ficado «dope sick» [N.d.T.: calão para os sintomas dolorosos que se sentem após desintoxicação], que as únicas lições aprendidas com as várias reabilitações foram formas criativas para se contrabandear heroína, e que Mustaine nem esteve presente em «quase metade» das sessões de gravação de “Rust in Peace” depois de entrar numa clínica de desintoxicação. Parece uma receita para o desastre, mas, 30 anos depois, o álbum é legitimamente reverenciado como um dos clássicos de todos os tempos do género.
Mustaine liga para Hammer desde a sua casa em Nashville para falar sobre o livro e o legado do álbum. Tosse quando começa a falar. «Desculpa», diz. «Pequenos efeitos colaterais da radiação e da quimioterapia.»
Será que ainda está a fazer tratamento ao cancro na garganta?
«Não, não, não – está tudo a sarar rapidamente», responde. «O médico disse que algumas pessoas se curam rápido, outras curam-se mais lentamente. Ele disse-me que a minha recuperação foi absolutamente maravilhosa. Ele disse: ‘Estás a recuperar tão rápido que as pessoas vão começar a gozar contigo.’»
-/-
Entre vencer o cancro e conquistar
os demónios detalhados no novo livro, fica claro que és um
sobrevivente. O que te fez decidir contar a história do álbum em
formato de história oral?
Na Bíblia falam sobre o evangelho
e há quatro perspectivas da mesma história. Existem outros livros
muito porreiros que têm a mesma coisa, em que várias pessoas
assistem ao mesmo acidente de carro e todas contam ao polícia o que
aconteceu, cabendo a ele decidir quem está a dizer a verdade. Isso
foi uma das coisas que achei ser excelente com o [nosso] livro. Eu
também sabia que seria catártico para os rapazes da banda, e para
qualquer um dos membros da equipa que tivesse sido apanhado no rolo
compressor, terem a hipótese de contar o seu lado da história. Se
fosse verdade, eu aprenderia algo com isso, porque era diferente do
meu entendimento. Se não fosse verdade e estivessem a inventar
coisas, está tudo bem. Se dizes que foi assim que aconteceu, quem
sou eu para discutir?
O livro começa com um prefácio de
Slash, que a certa altura foi convidado para se juntar aos Megadeth.
É difícil imaginar a tua precisão técnica combinada com a fluidez
solta do Slash.
Acho que entendeste isso ao contrário, e que
o Slash é um pouco mais técnico do que eu. O que estávamos a tocar
era uma onda muito punk/metal. Adoro a maneira como consigo pegar na
guitarra e dizer ‘vai-te f*der’ a qualquer pessoa com ela. É uma
arte. Muitas pessoas não conseguem fazer isso. [risos] Muitas
pessoas nem sabem o que isso significa. Tens de comandar
completamente a tua guitarra. Existem grandes, poderosos e belos
músicos como Eric Johnson, e a modos que acariciam a sua guitarra
com adoração. Eu? Gosto de dar murros no estômago.
A certa altura do livro, o David
Ellefson descreve “Rust in Peace” como «uma obra-prima
criada na escuridão da heroína». Para fazerem o álbum,
quão crucial era ficarem mocados? Precisavam de um para fazer o
outro?
É uma pergunta muito boa. Acho que isso é dar
demasiado mérito à euforia das drogas, porque começaram a
desaparecer muito depois de começarmos [o álbum]. É como o velho
ditado: primeiro o homem toma uma bebida, depois a bebida toma uma
bebida, depois a bebida toma um homem. O triste é que a minha
libertinagem estava tão exposta que, pelo facto de não gostares
disso, eu lutaria contigo. Isso acabou por não ser muito bom para
mim nos Metallica, mas era assim que eu era. Era apenas um estilo de
vida. Éramos gajos de rua e ninguém me dizia o que fazer – nem
agora, nem nunca. À medida que fui ficando mais saudável, comecei a
perceber que conseguia tocar guitarra [sóbrio], e há muito mais na
vida do que contrabandear cenas e tentar ter sempre alguma coisa em
ti.
Para teu crédito, o livro pinta as
dores do vício sem rodeios e não numa visão colorida.
Se
falares sobre droga, vais precisar de um espécime que já teve
experiências com essa substância e com as consequências cerebrais,
se assim quiseres. É com quem estás a falar. As drogas fazem um
gajo trair a esposa, fazem a esposa trair o marido, fazem jovens
chuparem pilas num beco para conseguirem a sua dose. É uma loucura.
Por que é que eu iria querer glorificar algo assim?
O livro abre com um estrondo sobre quando a banda estava «por um fio» no festival Monsters of Rock, de 1988, em Castle Donington – o maior concerto da vossa carreira até àquele momento.
Queríamos começar com o colapso de Castle Donington. Precisávamos que o leitor entrasse logo nisso – aqui estamos, 110.000 pessoas, o maior PA de todos os tempos. Está no livro Guinness World Records. Vê só estes gajos todos – Kiss, David Lee Roth, Guns N’ Roses, Iron Maiden. E depois, aquilo acontece. Foi naquele enorme evento que, pela a primeira vez, o David [Ellefson] partilhou algumas informações realmente escandalosas sobre o que andava a fazer. De seguida, voltámos para casa e perdemos concertos em seis estádios. Foi trágico.
A certa altura, o Ellefson escreve
que «se o abuso das drogas não estragou a nossa amizade,
um pouco de sobriedade estragou». Mais tarde, admites que
ler essas palavras te magoou.
Gosto muito do David, mas
tivemos fortes desentendimentos ao longo dos anos. Para mim, dar uma
versão homogeneizada de tudo o que David disse não é real. Algumas
das coisas que ele revela no livro vão abalar o mundo de certas
pessoas.
Uma dessas divergências foi o
processo sem sucesso que ele moveu contra ti enquanto estava fora da
banda.
Eu estava a voltar de Dallas para casa, fiz escala em
Phoenix (onde o Ellefson mora), liguei-lhe e disse: ‘Ei, queres ir
comer qualquer coisa?’ Assim que o vi, ele disse: ‘Quero pedir
desculpa – processar-te foi a coisa mais idiota que já fiz na
vida.’ Olhei para ele e vi o gajo que conheci há muitos anos, quando
ele era jovem, curioso e ávido, e apenas disse: ‘Sabes que mais? Eu
perdoo-te.’ Adoro-o. Cometeu um erro terrível – todos nós
cometemos –, portanto pusemos isso para trás das costas e agora
estamos a meio do processo de fazermos um dos álbuns mais duros que
já fizemos.
Obrigado pela transição! Há alguns meses, disseste que o vosso novo álbum incluiria 18 músicas. Ainda é esse o plano?
Não. Inicialmente, eu tinha 200 músicas na minha pasta, mas estava a reduzi-las cada vez mais. Vamos terminar com o que estamos confiantes. Quando lanças um álbum que tem mais músicas do que necessita, isso é um desperdício, e se lanças músicas que não estão completas porque não tens músicas boas o suficiente, isso é enganar os fãs. As músicas que estão prontas serão lançadas, as músicas que não estão serão trabalhadas [mais tarde] ou ficam de fora.
Considerando o estado do mundo,
certamente que não terás falta de inspiração para as letras.
Não
acho que vá escrever sobre o vírus, porque é tão óbvio. Há
muitas coisas que vão acontecer brevemente, e garanto que será tudo
sobre isso. Já vi músicas com ‘Quarantine’ no título. Para mim, é
um acontecimento oportuno. Tentei sempre fazer com que as nossas
letras fossem atemporais.
Recentemente circulou uma história
sobre ligares-te a um outro sobrevivente do cancro na garganta – o
Bruce Dickinson. Quando revelaste o diagnóstico, recebeste alguma
outra inesperada demonstração de apoio?
O Paul Stanley
deu-me a mão, o que foi muito porreiro. Muitas pessoas enviaram o
seus melhores votos, amor e boas vibrações, orações e outras
coisas, mas a maioria era tudo amigos, portanto não fiquei muito
surpreendido que tivessem entrado em contacto – apenas fiquei feliz
que o tenham feito.
Última pergunta: sabemos o que “Rust in Peace” significa para os fãs, mas o que significa para ti?
Essa é uma pergunta merdosa para responder com toda a honestidade, porque é 100 por cento igual a pedires a um pai para escolher o filho favorito. Nós, pais, adoramos mesmo as crianças gordas.
Consultar artigo original em inglês.
“Rust in Peace: The Inside Story of the Megadeth Masterpiece” tem data de lançamento a 1 de Outubro de 2020 no Reino Undio pela Hachette Books.
Recorda a história de “Rust in Peace” AQUI.
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